Política ao Vivo. Siga a gente no Instagram: @politicaaovivo

Foto: Divulgação

O direito ao silêncio e a decisão no HC 204.422/DF(STF)

É indiscutível que as pessoas que ostentam o status de testemunha possuem o dever de comparecer em juízo, quando chamadas a depor, inclusive, sob pena de serem multadas ou de responderem por crime de desobediência, devendo, neste ato, assumirem o compromisso de dizer a verdade, respondendo, caso faltem com a verdade pelo crime de falso testemunho.



No entanto, diferente do que muitos imaginam, aqueles que são acusados, possuem o direito de não produzirem prova contra si mesmo (nemo tenetur se detegere), garantia consagrada na Constituição (art. 5º, LXIII, CF) e nos tratados internacionais sobre direitos humanos (CADH). Nesse sentido, dentro do espectro do direito a não autoincriminação encontra-se, por consequência lógica, o consagrado direito ao silêncio.

Essa garantia, diga-se logo, não é invenção do direito brasileiro, como bem aponta o doutrinador André Nicollit: “há registro desse princípio em institutos do direito hebreu, grego e romanos, este na fase da República, no que se refere respectivamente, ao tratamento da confissão, do interrogatório e do direito ao silêncio”. (NOCOLLIT, André. Manual de Processo Penal – 10 Ed. Belo Horizonte, São Paulo: D’Plácido, 2020, p. 222).

Em razão disso, investigados por Comissões Parlamentares de Inquérito acabam por impetrar ordem de habeas corpus para garantir o exercício do direito ao silêncio quando inqueridos nas CPI’s. Foi exatamente o que ocorreu, recentemente, com a Diretora da empresa Precisa, a senhora Emanuela Medrades que conseguiu, como era de se esperar, no Supremo Tribunal Federal um Habeas Corpus para “exclusivamente em relação aos fatos que o incriminem” “permanecer em silêncio sobre o conteúdo das perguntas formuladas” (HC 204.422/DF),

No entanto, diante do silêncio eloquente da moça, e de um nítido incomodo dos parlamentares componentes da Comissão, que ansiavam, talvez em razão dos holofotes, por declarações, a Presidência da CPI, bem como a defesa, foram ao Supremo, a primeira para solicitar esclarecimentos quanto às “cominações jurídicas em relação à recusa da depoente em prestar depoimentos referentes a fatos que não a incriminem” e a segunda, para que “ficasse explicito que a análise sobre qual ou quais perguntas responder deve ser exercida pela investigada e sua defesa”.

Em precedente, diga-se de logo, bastante perigoso, o Ministro Presidente do Supremo, Luiz Fux, no plantão, entendeu que “nenhum direito fundamental é absoluto, muito menos pode ser exercido para além de suas finalidades constitucionais. Nesse ponto, às Comissões de Parlamentares de Inquérito, como autoridades investidas de poderes judiciais, recai o poder-dever de analisar, à luz de cada caso concreto, a ocorrência de alegado abuso do exercício do direito de não-incriminação “.

Em outras palavras, deixou Vossa Excelência para o inquisidor/investigador decidir se o investigado abusa ou não da garantia de não autoincriminar, ou seja, do seu direito ao silêncio.

Não é preciso dizer, mas não se houve com acerto sua Excelência, na medida em que relativizou uma garantia constitucional. É preciso anotar que, no momento em que uma pessoa investigada é chamada para ser ouvida, estamos diante, verdadeiramente, de um interrogatório e não de um depoimento, portanto, um ato de defesa (defesa pessoal) e, como tal, como bem leciona Aury Lopes Júnior, deve ser “livre de qualquer pressão ou ameaça”, ou seja, sem consequências para o interrogado por ter se omitido a colaborar. (LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal – 16ª Ed.. São Paulo: Saraiva, 2019. p. 106).

É extremamente esdruxulo e desprovido de lógica, datíssima venia, permitir ou incumbir ao inquisidor o controle do exercício de um direito da defesa. Deve caber a defesa, e tão somente a ela, a análise do que se quer, o que se pode e o que se deve responder em um interrogatório, mesmo aqueles travestidos de depoimento, até porque, somente a defesa tem a possibilidade real de perceber o que de fato pode ser comprometedor ou prejudicial.

Cabe sim, à Comissão Parlamentar de Inquérito investigar respeitando o direito dos acusados de se silenciarem, em absoluto, sem o dever de colaborar, pelo contrário, o direito é de não colaboração (defesa negativa).

Devastador pode ser tal precedente, principalmente diante das demais formas de investigação que temos no direito Brasileiro, como exemplo, os inquéritos policiais, que transcorrem pelo país, em sua maioria, sem a presença de uma defesa técnica(advogado ou defensor público), para impedir, ai sim, abusos na investigação.

Corremos o risco de investigados serem pressionados a falar com o argumento de estarem extrapolando o direito ao silêncio, inviabilizando, por completo, o próprio exercício do direito da não autoincriminação. Mais, corremos o risco do silêncio já ser, por si só, representativo de abuso de direito.

Oxalá a posição do Min. Luiz Fux não represente maioria na Corte Suprema, seja posição isolada!!
Por enquanto, se nem calados mais podemos ficar, pronto, falei !!!

Lucas Cavalcanti é advogado, especialista em ciência criminais, membro do IBADPP, professor de direito penal, prática penal e processo penal da UNIME e FBB.

Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Política ao Vivo.



Deixe sua opinião